ENTREVISTA
Dom Fernando Saburido critica desonestidade no Brasil
Arcebispo de Olinda e Recife fala sobre saúde e campanha da fraternidade
Publicado em 07/04/2012, às 06h10
Do Jornal do Commerco
Saburido (centro) acredita que são várias as doenças dos pernambucanos
Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
A Campanha da Fraternidade da Igreja Católica, trabalhada na quaresma, quer estimular mais do que um comportamento solidário com os enfermos. O enfoque na saúde pretende mobilizar os cristãos também em favor do SUS. De preferência, de um Sistema Único de Saúde com mais investimento governamental, controle dos gastos e capaz de oferecer assistência digna, como defende o arcebispo de Olinda e Recife, dom Antônio Fernando Saburido. Na entrevista ao JC, o monge beneditino fala dessas reflexões, da necessidade de os agentes de pastorais assumirem mais espaço nos fóruns de discussão e fiscalização da saúde pública. “É preciso falar para poder transformar”, enfatiza. Ele critica também a violência e a criminalidade que cercam os jovens, foco da próxima Campanha da Fraternidade, e analisa o adoecimento da sociedade, diante das desigualdades sociais, consumo e novos valores.
JC – Qual a maior doença dos pernambucanos?
DOM FERNANDO SABURIDO – São tantas as doenças... Atualmente acho que a depressão está sendo uma coisa séria e preocupante, por conta desse corre-corre, dessa agitação. Também tem causado sofrimento às famílias o envolvimento dos jovens com as drogas, está tirando a paz das pessoas. É muito difícil.
JC – Como esses problemas podem ser resolvidos?
DOM FERNANDO – A ausência de Deus leva a isso. As pessoas estão muito despreocupadas com o aspecto religioso, têm pouco compromisso com a fé, estão perdendo o sentido da vida.
JC – Tem a ver com o capitalismo, o consumismo?
DOM FERNANDO – Também. Há uma preocupação com o poder e o ter, a ambição humana é muito grande.
JC – Ao mesmo tempo a gente vê uma explosão de novas religiões. Por que está faltando Deus na vida das pessoas?
DOM FERNANDO – Infelizmente se abrem igrejas como se abre casa comercial. Há uma preocupação excessiva com dinheiro, com dízimos, em mostrar curas sem comprovação científica. Não são religiões comprometidas, históricas, tradicionais.
JC – Como é possível resgatar esse contato com Deus com uma fé raciocinada?
DOM FERNANDO – Centrar-se mais nas coisas simples e importantes da vida. Fazer uma opção correta. As pessoas se deixam influenciar pelos meios de comunicação no mau sentido. Um exemplo são as novelas. A Igreja vem trabalhando pela insolubilidade do casamento, mas nas novelas as pessoas casam e descasam rapidamente. Há também aquelas figuras perversas, que passam a novela inteira fazendo o mal e só no último capítulo são condenadas.
JC - Voltando à saúde, Pernambuco está em crescimento econômico, mas convive com doenças do Primeiro Mundo (hipertensão, diabete, câncer), violência no trânsito, tuberculose e outras relacionadas à pobreza. Como vê essa contradição?
DOM FERNANDO – Isso é uma realidade e eu acrescentaria o caso da dengue, no qual estamos colaborando no combate do mosquito transmissor. São problemas do Terceiro Mundo. O Brasil é um País emergente do ponto de vista econômico e ainda convive com essa realidade. Isso é inadmissível. Precisa investir mais na saúde. A gente percebe que o governo apresenta cifras, mas na realidade isso não acontece, porque a desonestidade é muito grande, há desvios. É preciso mudar tudo isso para o País se confirmar como emergente.
JC – Em que precisa melhorar o sistema de saúde, além do investimento e do controle de gastos?
DOM FERNANDO - O SUS é apresentado como projeto modelar, atrai a atenção de outros países. A proposta realmente é muito interessante, mas a prática não corresponde. Percebemos que as pessoas mais humildes têm dificuldade para marcar uma consulta médica. Vão de madrugada para as filas e depois não conseguem fichas. Para internamento, a dificuldade é enorme. Imagine quando precisa de UTI, o negócio é sério, porque são poucos leitos para a demanda. Eu tive a oportunidade de participar em João Pessoa do lançamento da Campanha da Fraternidade, pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Regional Nordeste II. Na ocasião o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, mandou um representante, que mostrou os avanços. E eu falei isso que acabei de dizer agora, a gente tem que mostrar o que está acontecendo. Me chegam muitas histórias de sofrimento. É preciso falar para fazer transformar. Os governos precisam apoiar a prática de esporte, que é recomendável, um lazer sadio. Lamentavelmente, nem sempre o pobre tem esse direito. Deus, na nossa vida, dá equilíbrio espiritual. Temos que cuidar do corpo também.
JC – Como o senhor mesmo diz, é preciso falar para fazer transformar. Há pastorais da Igreja Católica que lidam nessa área, a da saúde, a da criança, a do idoso, e a da sobriedade (trabalha com dependentes químicos). O senhor entende que, além de acolher e tratar os doentes, elas precisam participar mais ativamente dos fóruns de fiscalização do SUS, como os conselhos de saúde?
DOM FERNANDO – A gente não pode perder a oportunidade de participar desses conselhos nos municípios e no Estado. É daí que partem as ideias para o governo federal fazer programas, projetos. É muito importante a nossa participação como igreja. Nós, igreja, somos muito procurados pelos pobres. Podemos, então, dar uma contribuição ao Estado.
JC – Como a Campanha da Fraternidade pode estimular os cristãos e a sociedade para o direito à saúde?
DOM FERNANDO – O objetivo principal é motivar o debate, o diálogo, mobilizar as escolas, universidades, o mundo do trabalho, a sociedade. Para facilitar isso, há um texto-base da CNBB, muito bom, que é feito pelos técnicos, com boas ideias que podem ser lançadas. É muito rico esse debate.
JC – Como anda o projeto da Arquidiocese de Olinda e Recife de assistência aos dependentes químicos?
DOM FERNANDO – Estamos muito angustiados com isso. Queremos que as obras das duas Fazendas Esperança sejam iniciadas ainda este ano, uma feminina, em Igarassu, e outras masculina, em Jaboatão dos Guararapes. O prefeito de Jaboatão me garantiu o espaço, mas precisamos de recursos para construir. Tem que ser fazenda grande, em geral de 10 a 12 hectares, com capacidade para atender 100 pessoas.
JC – Além de fiscalizar, a Igreja também presta serviço de saúde no SUS, através da Santa Casa de Misericórdia, que tem hospital e administra Unidade Pronto Atendimento (UPA), no Recife. Qual a sua recomendação para a Santa Casa no atendimento ao paciente?
DOM FERNANDO – A missão da Santa Casa é servir aos pobres. Ela é mantida por doações de imóveis feitas no passado. Nossa intenção é convergir todo o seu patrimônio em benefício dos mais pobres. É uma entidade sem fins lucrativos e vai continuar assim. Esse é o meu propósito. Estamos tentando melhorar o hospital para aumentar o atendimento à população.
JC – Qual o tema da próxima Campanha da Fraternidade?
DOM FERNANDO - A juventude. Temos visto muitos jovens morrendo em razão da violência e outros nos presídios. Visitei recentemente o Presídio de Igarassu (de segurança máxima) e me surpreendi com a grande quantidade de jovens num espaço feito para 400 e que abriga mais de dois mil presos. Os pavilhões estavam cheios e havia gente no corredor. Tudo isso é muito preocupante, daí a Campanha da Fraternidade querer chamar a atenção da sociedade.
JC – Qual a maior doença dos pernambucanos?
DOM FERNANDO SABURIDO – São tantas as doenças... Atualmente acho que a depressão está sendo uma coisa séria e preocupante, por conta desse corre-corre, dessa agitação. Também tem causado sofrimento às famílias o envolvimento dos jovens com as drogas, está tirando a paz das pessoas. É muito difícil.
JC – Como esses problemas podem ser resolvidos?
DOM FERNANDO – A ausência de Deus leva a isso. As pessoas estão muito despreocupadas com o aspecto religioso, têm pouco compromisso com a fé, estão perdendo o sentido da vida.
JC – Tem a ver com o capitalismo, o consumismo?
DOM FERNANDO – Também. Há uma preocupação com o poder e o ter, a ambição humana é muito grande.
JC – Ao mesmo tempo a gente vê uma explosão de novas religiões. Por que está faltando Deus na vida das pessoas?
DOM FERNANDO – Infelizmente se abrem igrejas como se abre casa comercial. Há uma preocupação excessiva com dinheiro, com dízimos, em mostrar curas sem comprovação científica. Não são religiões comprometidas, históricas, tradicionais.
JC – Como é possível resgatar esse contato com Deus com uma fé raciocinada?
DOM FERNANDO – Centrar-se mais nas coisas simples e importantes da vida. Fazer uma opção correta. As pessoas se deixam influenciar pelos meios de comunicação no mau sentido. Um exemplo são as novelas. A Igreja vem trabalhando pela insolubilidade do casamento, mas nas novelas as pessoas casam e descasam rapidamente. Há também aquelas figuras perversas, que passam a novela inteira fazendo o mal e só no último capítulo são condenadas.
JC - Voltando à saúde, Pernambuco está em crescimento econômico, mas convive com doenças do Primeiro Mundo (hipertensão, diabete, câncer), violência no trânsito, tuberculose e outras relacionadas à pobreza. Como vê essa contradição?
DOM FERNANDO – Isso é uma realidade e eu acrescentaria o caso da dengue, no qual estamos colaborando no combate do mosquito transmissor. São problemas do Terceiro Mundo. O Brasil é um País emergente do ponto de vista econômico e ainda convive com essa realidade. Isso é inadmissível. Precisa investir mais na saúde. A gente percebe que o governo apresenta cifras, mas na realidade isso não acontece, porque a desonestidade é muito grande, há desvios. É preciso mudar tudo isso para o País se confirmar como emergente.
JC – Em que precisa melhorar o sistema de saúde, além do investimento e do controle de gastos?
DOM FERNANDO - O SUS é apresentado como projeto modelar, atrai a atenção de outros países. A proposta realmente é muito interessante, mas a prática não corresponde. Percebemos que as pessoas mais humildes têm dificuldade para marcar uma consulta médica. Vão de madrugada para as filas e depois não conseguem fichas. Para internamento, a dificuldade é enorme. Imagine quando precisa de UTI, o negócio é sério, porque são poucos leitos para a demanda. Eu tive a oportunidade de participar em João Pessoa do lançamento da Campanha da Fraternidade, pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Regional Nordeste II. Na ocasião o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, mandou um representante, que mostrou os avanços. E eu falei isso que acabei de dizer agora, a gente tem que mostrar o que está acontecendo. Me chegam muitas histórias de sofrimento. É preciso falar para fazer transformar. Os governos precisam apoiar a prática de esporte, que é recomendável, um lazer sadio. Lamentavelmente, nem sempre o pobre tem esse direito. Deus, na nossa vida, dá equilíbrio espiritual. Temos que cuidar do corpo também.
JC – Como o senhor mesmo diz, é preciso falar para fazer transformar. Há pastorais da Igreja Católica que lidam nessa área, a da saúde, a da criança, a do idoso, e a da sobriedade (trabalha com dependentes químicos). O senhor entende que, além de acolher e tratar os doentes, elas precisam participar mais ativamente dos fóruns de fiscalização do SUS, como os conselhos de saúde?
DOM FERNANDO – A gente não pode perder a oportunidade de participar desses conselhos nos municípios e no Estado. É daí que partem as ideias para o governo federal fazer programas, projetos. É muito importante a nossa participação como igreja. Nós, igreja, somos muito procurados pelos pobres. Podemos, então, dar uma contribuição ao Estado.
JC – Como a Campanha da Fraternidade pode estimular os cristãos e a sociedade para o direito à saúde?
DOM FERNANDO – O objetivo principal é motivar o debate, o diálogo, mobilizar as escolas, universidades, o mundo do trabalho, a sociedade. Para facilitar isso, há um texto-base da CNBB, muito bom, que é feito pelos técnicos, com boas ideias que podem ser lançadas. É muito rico esse debate.
JC – Como anda o projeto da Arquidiocese de Olinda e Recife de assistência aos dependentes químicos?
DOM FERNANDO – Estamos muito angustiados com isso. Queremos que as obras das duas Fazendas Esperança sejam iniciadas ainda este ano, uma feminina, em Igarassu, e outras masculina, em Jaboatão dos Guararapes. O prefeito de Jaboatão me garantiu o espaço, mas precisamos de recursos para construir. Tem que ser fazenda grande, em geral de 10 a 12 hectares, com capacidade para atender 100 pessoas.
JC – Além de fiscalizar, a Igreja também presta serviço de saúde no SUS, através da Santa Casa de Misericórdia, que tem hospital e administra Unidade Pronto Atendimento (UPA), no Recife. Qual a sua recomendação para a Santa Casa no atendimento ao paciente?
DOM FERNANDO – A missão da Santa Casa é servir aos pobres. Ela é mantida por doações de imóveis feitas no passado. Nossa intenção é convergir todo o seu patrimônio em benefício dos mais pobres. É uma entidade sem fins lucrativos e vai continuar assim. Esse é o meu propósito. Estamos tentando melhorar o hospital para aumentar o atendimento à população.
JC – Qual o tema da próxima Campanha da Fraternidade?
DOM FERNANDO - A juventude. Temos visto muitos jovens morrendo em razão da violência e outros nos presídios. Visitei recentemente o Presídio de Igarassu (de segurança máxima) e me surpreendi com a grande quantidade de jovens num espaço feito para 400 e que abriga mais de dois mil presos. Os pavilhões estavam cheios e havia gente no corredor. Tudo isso é muito preocupante, daí a Campanha da Fraternidade querer chamar a atenção da sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário